quinta-feira, 20 de outubro de 2011

A Asfixia da Democracia em Angola

"Corrupção em Angola: um impedimento para a democracia" é o titulo do mais recente artigo divulgado pelo defensor dos direitos humanos angolano Rafael Marques. No documento ele denuncia, mais uma vez, as irregularidades cometidas por altos dirigentes de Angola nos seus negócios, num desrespeito as leis. Rafael Marques, numa entrevista a DW conduzida por mim, começa por explicar como esta cadeia de irregularidades e corrupção são nocivas a democracia:



Rafael Marques: A razão principal da asfixia da democracia em Angola tem a ver com a necessidade de proteção dos negócios privados dos dirigentes angolanos. Temos estado a ver, desde 1992 que, praticamente, os dirigentes do MPLA têm estado a privatizar o país em seu favor, para o enriquecimento pessoal. Estamos a falar de umas poucas famílias, por exemplo, grande parte dos negócios estão em nome da filha do Presidente da República, outros negócios estão com uma dúzia de generais e ministros. Não há possibilidade de coexistência de uma verdadeira democracia onde haja um poder judicial autónomo e esse tipo de saque que se verifica no país. Porque havendo democracia no país, certamente haverá autonomia do poder judicial e estes casos poderão ser levados a tribunal.

NI: Até que ponto as leis anticorrupção são porosas em Angola e abrem espaço para a corrupção ao mais alto nível?
 RM: As leis são claras. Dizem claramente que é proibido ao dirigente, ao funcionário público fazer negócios consigo próprio enquanto estiver a representar o Estado. Na prática as coisa são diferentes – é uma prática de impunidade. Fazem-se leis muito bonitas, leis que podem ser apresentadas no estrangeiro para dar uma imagem de seriedade do regime, mas a prática é baseada na impunidade que o poder militar, o aparelho repressivo lhes confere.

NI: Perante estas afirmações, que credibilidade tem o poder judicial em Angola?
 RM: Não tem credibilidade absolutamente nenhuma. Começando pelo próprio Procurador Geral da República, que também tem negócios particulares e cujas empresas privadas também prestam serviços à própria Procuradoria Geral da República, como menciono no texto. E eu tento explicar isso neste ensaio sobe a corrupção e a democracia em Angola. Um dos maiores artifícios do Presidente para se manter no poder durante 32 anos foi garantir que todos aqueles que têm acesso a um cago público sejam corruptos e ele tenha provas dessa corrupção, de forma a poder chantageá-los. Então o juiz não pode julgar porque é corrupto e o Procurador Geral da República não pode dar seguimento a uma queixa, a menos que o Presidente autorize, porque também é corrupto. E assim se cria uma cadeia em que a corrupção destrói a possibilidade desta sociedade organizar-se e de ser gerida de acordo com princípios e com valores morais.

NI: O presidente angolano mostrou nesta terça-feira abertura para o diálogo com os manifestantes e o Tribunal Supremo também decidiu recentemente inocentar os manifestantes condenados a prisão. Qual a sua opinião sobre esta posição de José Eduardo dos Santos e do Judicial?
RM: Demonstra o cinismos do presidente da República e a sua falta de respeito pelo sofrimento dos compatriotas que diz respeitar. Primeiro porque não houve nenhuma demosnstração do bom funcionamneto do sistema de justiça porque os manifestantes cumpriram os 45 dias de cadeia a que foram sentenciados. O Tribunal Supremo não respondeu nos prazos devidos para impedir que estes cumprissem a pena por um crime que não cometeram, e não se pode dizer, depois destes terem cumprido a pena, que o Tribunal Supremo tenha os mandado libertar. Eles sairiam porque cumpriram a sua pena. Há um caso de poucos individuos que deviam cumprir a pena de 45 dias e cumpriram a metade. O Tribunal Supremo só quiz mostrar que exerce o seu poder com autonomia, o que não é verdade. E também isso foi para permitir ao presidente da República dizer no seu discurso que há democracia em Angola, e não há nada Democracia! E mais, o presidente em Tribunal não foi honesto com a sociedade, ele não tem nenhum mandato legítimo, ele foi eleito como deputado em 2008, e por não ter tomado posse perdeu o seu mandato, o único cargo electivo ao nível da função pública que ele alguma vez teve. Ele está há 32 anos  no poder sem nunca ter sido eleito por voto popular ou outro mecanismo previsto no ordenamemto jurídico angolano. E foi uma mentira tentar explicar que está a exercer o poder de forma legítima, porque não está.

NI: Acredita que este movimento contestatório contra a presidência de José Eduardo dos Santos tem força para conseguir derruba-lo?
RM: O objectivo principal daqueles que manifestam não deve ser o presidente, o presidente é uma pessoa, mas sim deve ser a mudança de consciência, porque no dia em que os angolanos fizerem isso e perceberem o futuro que tem pela frente e o que devem fazer em termos de bem estar comum, a questão do presidente estará ultrapassada. Ele é apenas um Homem, e só consegue abusar tanto a sociedade porque ela está dividida, não tem liderança, não consegue reger-se por uma visão comum que seja benéfica para o próprio país. Foram muitos anos de subserviência, a viver de corrupção, muitos estudantes não precisam de estudar e pagam para passar de classe, então há toda uma distorção social e deo conceito de cidadania, porque hoje em Angola ser cidadão é ser do MPLA e quem não pertence a este partido não é cidadão.  E quando as pessoas mudarem essa mentalidade, o presidnete será apenas um homem e não terá a capacidade de humilhar um povo inteiro, porque ninguém permitira que isso aconteça, as instituições serão geridas de  acordo com os estatutos que deramn origem a sua situação. E a apartir dai acontecerá a devolução do poder as instituições do Estado e o presidente será mais um entre dezoito milhões e certamente será reformado por vontade própria ou de forma compulsiva, como a sociedade determinar em fiunção da sua mudança de consciência. Mas o fundamental é a sua mudança de consciência.

NI: Em relação a sociedade civil e outras vozes no país, o que se pode dizer em relação ao espaço que o país actualmente lhes oferece?
 RM: O espaço deve ser conquistado. Se não há uma sociedade civil e uma oposição forte em Angola é porque não há capacidade de organização e de gestão. Mesmo nos sistemas mais repressivos que o mundo já conheceu, sempre que se levantaram pessoas com capacidade de organização e que explicasse  a necessidade de uma luta para o bem comum, os regimes acabaram por ceder a vontade popular. O que acontece hoje é que a sociedade foi obrigada a profesaar o culto de personalidade. E isso foi uma forma expedita de tentar incutir na sociedade angolana que ninguém é mais cidadão que o presidente e ques e alguém sucedesse na sociedade era por obra e graça do presidente da República, como se ele fosse um Deus. É preciso retira-lo desse pedesteal, que as pessoas compreendam que ele é um homem normal com falhas gravissímas, e que não está capaz de gerir o destino de Anhola, e um homem que certamente será aconselhado a sair do poder porque não terá outra opção, senão cumprir com a vontade popular.

NI: Lançou recentemente um livro intitulado "Diamantes de Sangue", num país repressivo, como se diz que Angola é, como o Rafael consegue se manter vivo e até publicar um livro em que denuncia irregularidade dos vários quadrantes da vida angolana?

RM:  Mesmo na Coreia do Norte para onde enviaram chineses para os campos de concentração, na China, na ex-União soviética, em Cuba, não é e nunca será possível matar todos aqueles que lutam pelo bem. E porque aqui é uma questão de dizer claramente a estes individuos, eu estou em Luanda e estou a dizer, é um trabalho que eu fiz, tenho provas, os generais angolanos estão envolvidos em crimes contra a humanidade, em casos gravissímos de tortura, homicídios sistemáticos de populações inocentes, tudo isso para ganhar mais dinheiro com a venda ilegal de diamantes. 




Para ouvir uma parte desta entrevista consulte o seguinte endereço: http://www.dw-world.de/dw/0,,9585,00.html
Selecione a emissão da manhã do dia 20 de Outubro de 2011

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