segunda-feira, 23 de dezembro de 2013

A negociação não é a solução para Angola

O livro“Quando a Guerra é Necessária e Urgente" está novamente a venda em Angola desde sábado último. Recorde-se que um artigo com o mesmo título, também do autor de Domingos Cruz foi contestado pelo Governo do MPLA em 2009, custando-lhe um processo judicial. A sessão de vendas e assinaturas de autógrafos será na portaria da Rádio Despertar, em Luanda, onde estarão igualmente disponíveis os últimos livros do autor, “A liberdade de imprensa em Angola: Obstáculos e desafios no Processo de Democratização" e “Ética Educativa à Luz da Racionalidade Comunicativa”. Domingos Cruz é também jornalista e professor universitário. Entrevistei-o para a DW África sobre as suas publicações e não só:




Nádia Issufo(NI): Não teme ser alvo de mais um processo judicial pela reedição do livro?
Domingos Cruz (DC): Como deve calcular, não há da minha parte qualquer receio porque eu tenho plena consciência de que me encontro única e exclusivamente no uso dos mais básicos direitos fundamentais, como a liberdade de expressão, que se manifesta nos média, na escrita, arte e na investigação científica. Não estou a cometer nenhum crime, nenhum desvio de carácter moral... Não há motivos para ter medo. Estou tranquilo. O que estou a fazer é bastante normal.

NI: Como é que ficou o processo judicial instaurado contra si em 2009?
DC: O processo decorreu dentro dos trâmites normais e graças à pressão da sociedade civil e dos média. Tanto no plano interno como internacional, houve pressões junto do poder político e das estruturas judiciais que na verdade estão submissas à orientação do poder político em Angola, porque não são suficientemente independentes e não são dignas de uma sociedade democrática. Pela insustentabilidade da acusação do Ministério Público, viram-se na obrigação de arquivar o processo.

NI: De acordo com a sua experiência, como é que o regime de Angola lida com os escritores críticos?


DC: Angola, sendo um Estado autoritário de acordo com as mais variadas classificações por intermédio de estudiosos e organizações internacionais, tem agido de uma maneira coerente, ou seja, não tolera. A minha experiência tem o seguinte marco dramático e doloroso: quando eu publiquei o meu primeiro livro, em 2008, intitulado “Para onde vai Angola?”, fui expulso do trabalho sob orientação do partido no poder, o segundo livro foi inviabilizado de chegar às livrarias, foi proibido e inclusivamente encerraram o local de lançamento. Refiro-me à obra “Quando a Guerra é Necessária e Urgente”. E, claro, abriram um processo judicial.

NI: Um dos seus últimos livros é “A Liberdade de Imprensa em Angola: Obstáculos e Desafios no Processo de Democratização”. Que soluções apresenta para os problemas que constata?

  DC: Neste livro, insurjo-me contra as chamadas teorias liberais da democracia, olhando para o aspeto da liberdade de imprensa. De acordo com a teoria da liberal da democracia, a imprensa é um fator fundamental para o aprofundamento de uma democracia. Eu subscrevo completamente tal tese, mas entendo que os liberais ocidentais sobre a liberdade de imprensa e a democracia estão equivocados. Acho que os média podem ser um instrumento de democratização, mas podem também ser um instrumento de fortalecimento de Estados autoritários e da tirania.
Portanto, os média são uma faca de dois gumes. É isto que os teóricos ocidentais não perceberam. Depois de ter denunciado este erro metodológico da teoria liberal da democracia sobre a imprensa, eu demonstro o caso angolano como sendo o paradigma acabado no qual a imprensa não é um instrumento para o fortalecimento da democracia.


NI: Não inclui como opção a via negocial ou a via democrática, por exemplo, através de eleições transparentes e justas?

DC: Não, não, não. É impossível haver eleições transparentes e justas porque não temos um sistema eleitoral capaz de traduzir a verdade eleitoral. Temos um sistema que inviabiliza qualquer possibilidade da verdade eleitoral, temos uma máquina eleitoral absolutamente fraudulenta e corrupta sob o controlo do grupo dominante. É por isso que tenho dito, por exemplo, que falar de alternância em Angola é um erro de análise e uma idiotice completa. E digo isso porque o regime tem muitos interesses instalados e por isso inviabilizam qualquer possibilidade de alternância. Aliás, a prática política mostra isso, que é um autêntico maquiavelismo ao estilo contemporâneo. Tem havido esforços da sociedade civil para uma sociedade de plena liberdade, mas num sector muito restrito e de alguns partidos da oposição que de vez em quando denunciam os comportamentos erráticos dos meios de comunicação social sob o controlo do poder hegemónico, mas isso não é suficiente para alterar o estado de coisas que se encontra numa podridão generalizada.  Eu entendo que o caminho efectivo é a Líbia, o Egipto e a Tunísia, e quando a senhora me pergunta sobre uma via negocial eu digo que é impossível por uma razão bastante simples, você só pode dialogar quando existe equilíbrio na correlação de forças, e aqui há um desiquilíbrio absoluto que dificulta que o grupo hegemónico esteja aberto a dialogar. Eles sabem que dos mais variados campos há uma fragilidade mais ou menos generalizada, eles controlam tudo e portanto podem esmagar tudo e todos e não tem qualquer necessidade de dialogar, por isso mesmo nem o diálogo se aplica a situação de Angola.


Escute parte da entrevista em:  http://www.dw.de/livro-proibido-de-domingos-cruz-volta-a-estar-à-venda-em-angola/a-17314520

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